Martha Medeiros – Entrevista


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18 de março de 2017

Tempo de Leitura: 7 minutos

Martha Medeiros – Entrevista


A escritora tem nos temas do cotidiano e na condição humana a matéria prima da sua obra

Porto-alegrense, formada em Comunicação social/publicidade de propaganda pela PUC/Porto Alegre, com 25 livros publicados, a escritora Martha Medeiros é um fenômeno da literatura contemporânea. Com linguagem acessível, transita com igual propriedade pela poesia, crônica e ficção e já viu muitas de suas obras ganharem vida através de personagens na TV, no teatro, no cinema e até na música. A escritora, que já ganhou dois prêmios Açorianos de Literatura, é colunista dos jornais Zero Hora (RS) e O Globo (RJ), cujas crônicas são reproduzidas em vários outros estados do país, é colaboradora eventual das revistas Cláudia e Viagem, e é a nossa entrevistada da edição de março.

VIP – Martha você consegue traduzir em tuas crônicas o sentimento das pessoas e por isso existe uma identificação imediata com o teu texto. Isso é dom, inspiração, à que você atribui?

MARTHA – Pois é, a identificação é de fato enorme e atinge um público muito heterogêneo: homens, mulheres, jovens, adultos, pobres, ricos. Acho que é resultado de um mix de fatores: texto acessível, objetividade, um pouco de humor e escolha de assuntos que envolvem a condição humana, que interesse a todos. Acho também que o leitor percebe a honestidade do que está sendo dito, incluindo a honestidade das minhas dúvidas e contradições.

V – Você tem uma identificação muito grande com a mulher atual. Nos questionamentos com a vida, com as escolhas, com o que fazer com essa vida que está cada vez mais longeva e com mais oportunidades. Isso faz com que as pessoas te procurem para contar seus problemas, ou te pedir opinião?

M – Isso acontecia bastante, agora diminuiu, talvez porque já deixei claro que não me envolvo com as questões pessoais dos leitores, seria uma leviandade dar conselhos específicos. Eu não tenho respostas nem para mim mesma…  Entendo que as questões que levanto sugerem certa “sabedoria” do assunto, mas na verdade estou refletindo em voz alta, tentando entender o que significa aquilo que estou escrevendo. É um grande bate-papo coletivo, apenas isso. Outro motivo que fez com que as pessoas já não me procurem tanto para conselhos é que as redes sociais e os sites na internet estão ajudando as pessoas a se sentirem menos sozinhas (ou ao menos dando essa impressão). O colunista de jornal era considerado um amigo da família, agora a família aumentou.

V – Quando você começou a escrever imaginou que teus livros fariam tanto sucesso de público e que seria uma escritora reconhecida nacionalmente?

M: Nem por um segundo imaginei que chegaria tão longe. Me belisco até hoje. Comecei a escrever colunas de forma muito circunstancial, aproveitando uma oportunidade que surgiu através de um amigo jornalista. Achei que seria uma experiência ligeira, e que se desse certo, teria no máximo um alcance local, jamais nacional. No Brasil há inúmeros colunistas espetaculares, então, ter alcançado repercussão em meio a tantos profissionais graúdos é  uma honra enorme. Mas não tem jogo ganho. Minha ascensão não aconteceu da noite para o dia, subi um degrau de cada vez, sem pressa, e sei que a escada ainda está na metade.

V – Como é teu processo de criação de um livro? Você escreve todo dia? Tem um local específico pra escrever, como escolhe os títulos?

M – Depende. As coletâneas de crônicas não são livros “escritos”, eu apenas faço uma seleção do material que foi anteriormente publicado no jornal. Procuro pinçar as colunas que não ficaram datadas, as que gosto mais, que repercutiram melhor, etc, e depois escolho, entre todos os títulos dos textos, algum que tenha um apelo interessante para dar nome ao livro, como aconteceu com Doidas e Santas, Feliz por Nada, A Graça da Coisa, Simples Assim. Já os livros de ficção me exigem bem mais. Não tenho uma técnica literária. Estou acostumada a escrever de forma livre e sintética, então apanho um pouquinho nas narrativas longas. E tem a questão do prazo – para o livro de ficção não há prazo de entrega como há no jornal, então eu tenho que me disciplinar mais, é outro método de produção: o dinamismo dá lugar a um trabalho mais artesanal. Mas todos os dias eu vou para a frente do computador, sempre tenho algo pra fazer. Escrevo na minha casa, num nicho mais isolado da sala, virou meu escritório. Não consigo escrever em quartos de hotel, aviões, etc. Tem que ser no meu canto, em nenhum outro lugar.

V – Na crônica do dia a dia você deixa transparecer muito de você. E na ficção como é o desafio de criar o personagem?

M – O personagem nasce de algum questionamento pessoal meu, como foi o caso dos personagens femininos dos livros Divã e Fora de Mim. Nestes livros, eu comecei a narrativa inspirada em alguma questão interna e só no decorrer da escrita é que liberei os personagens para terem vida própria e independente da minha. Já no livro de cartas “Tudo que eu queria te dizer”, o exercício de criação foi totalmente livre e distanciado da minha realidade – e por isso tão excitante. Ali pude dar voz a uma idosa, a uma prostituta, a um delegado, a um louco, a um suicida, a uma fanática, a um adolescente… Ficção 100%. Uma grande experiência.

V – No teu dia a dia alguém te auxilia na produção do teu trabalho? 

M – Ninguém. Não tenho nenhum staff. Ninguém lê com antecedência o que envio para os jornais. É um salto sem rede.

V – Como é ver teu livro virando peça de teatro, seriado de TV ou filme?

M – No momento que autorizo uma adaptação, aquele trabalho deixa de ser meu para virar uma obra conjunta, de equipe. E, como tal, ficará descaracterizado do texto original. Quando o autor se apega demais ao próprio texto, ele sofre com as transmutações, e estou empenhada em eliminar o sofrimento da minha vida, ao menos aquele que posso controlar. Então autorizo, relaxo e curto como se eu fosse uma estranha ao processo. Até hoje não tive motivos para me aborrecer, só para ser grata. “Divã”, com a incrível Lilia Cabral, ficou 3 anos em cartaz no teatro e depois virou filme de sucesso. “Doidas e Santas”, com Cissa Guimarães, ficou 6 anos rodando o Brasil e deve voltar. Os monólogos “Tudo que eu queria te dizer” com Ana Beatriz Nogueira (cartas femininas) e Emilio Orciollo Neto (cartas masculinas) me deram um orgulho imenso e sei que têm fôlego para continuar. Fico muito envaidecida quando alguém arranca minha palavra de dentro do livro e dá a ela outra voz, outro sotaque, outra leitura. E isso vale para a música também. Jota Quest tem um hit baseado numa crônica minha, “Dentro de um abraço”. Toca nas rádios até hoje.

V – Você já escreveu um livro pensando em adaptá-lo para o teatro, cinema ou TV?

M – É curioso. Só uma vez escrevi uma história acreditando que daria uma boa peça de teatro, e foi justamente o livro que menos repercutiu. Estou falando de Selma e Sinatra, um livro que adoro e que muitas atrizes já se interessaram em  encenar, mas por um motivo ou outro, nunca subiu aos palcos, parece amaldiçoado! (risos) Um dia talvez desencante.

V – A relação do escritor com o leitor é muito particular. Já no teatro, ou no cinema você vê uma reação pública do teu trabalho. Como você lida com isso?

M – Com orgulho, com satisfação e com humildade. A relação escritor-leitor é silenciosa, íntima. Mas a relação dramaturgo-público é naturalmente exibicionista, uma epifania. Fico extasiada vendo as pessoas rirem juntas de algo que escrevi, ou ficarem em um silêncio respeitoso, comovidas. É muito poder. Não estou acostumada a “assistir” isso, a estar tão perto disso. Fico envaidecida e ao mesmo tempo um pouco envergonhada, como se eu tivesse atravessado um limite que era para ser sagrado entre mim e o leitor.

V – Como você se relaciona com a tecnologia. Você é adepta da internet, você tem facebook, twitter?

M – Resisti um tempo, mas acabei me rendendo, ou seria enterrada viva. Tenho uma fanpage (facebook/marthamattosmedeiros) e uma página só para poucos amigos, onde não adiciono desconhecidos. Não estou no twitter nem no instagram. Por enquanto está bom assim, mas posso amplificar minha participação nas redes, hoje estou mais aberta. Brigar contra a tecnologia é um absurdo, o mundo é virtual. Sei que ainda sou bastante analógica, mas isso equivale à confissão de que sou uma dinossaura. Tento equalizar minha tendência ao sumiço com minha necessidade de exposição.

V – Você transita por vários gêneros, poesia, ficção, relatos de viagem? Qual é o teu preferido?

M – A ficção me desafia como escritora, justamente por eu não dominá-la. Essa vontade de superar minhas limitações me mantém motivada. Agora, se pudesse, passaria a vida escrevendo sobre viagens, nem que fosse para continuar buscando inspiração pelo mundo.  Sou viciada em estrada, em deslocamentos, em sair da rotina.

 

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V – Martha leitora, quem são seus autores, quais as influências que você teve ao longo da vida?

M – Tudo que me deu prazer, tudo que me surpreendeu, tudo que me fez pensar “queria ter assinado isso”, serviu como influência. Não é pouca coisa. As crônicas de Luis Fernando Verissimo, os poemas de Pessoa, os filmes de Woody Allen, as canções dos Beatles, os livros de Philip Roth, a música popular brasileira, os quadros de Edward Hopper… puxa, ficaria até amanhã citando.

V – Quais são os teus projetos para o futuro?  Algum novo livro em andamento, ou sendo adaptado?

M – Meus projetos pessoais têm passado ao largo da literatura. Claro que continuarei escrevendo crônicas, eventualmente algum livro de ficção (já tenho um iniciado), mas atualmente me vejo predisposta a novas aventuras: programas de tevê, roteiros de cinema… “Projeto” é uma palavra vaga, que pode significar “talvez nunca”, mas tenho gostado de desafiar esse “nunca”.

V – Grande parte dos escritores são tímidos, exemplo do nosso querido Luiz Fernando Veríssimo. Você é tímida? Como lida com a exposição que a literatura te proporciona?

M – Lido bem. Acho gostoso quando alguém vem me cumprimentar e pede foto. Escritores não sofrem o mesmo assédio de artistas de tevê, que têm sua privacidade invadida. É bem mais tranquilo, então não tenho motivo nenhum de queixa. O pessoal costuma ser educado, respeitoso e considero um privilégio ser reconhecida. Mas isso não sobe à cabeça, meu cotidiano é prosaico e os pés não saem do chão.

V – Para uma mãe é difícil escolher um filho. Você escolheria um livro como o seu preferido ?

M – Entre dois ou três filhos seria impossível escolher um, mas entre 25, é perdoável alguma preferência. Entre os de ficção, além do “Tudo que eu queria te dizer”, gosto muito de um microlivro chamado “Noite em Claro”, que poucos conhecem. É meu texto mais erótico. Entre os de crônicas, gosto muito do “Doidas e Santas”. E tem o “Divã”, que me abriu várias portas. Amo todos os filhos literários, mas é inevitável ter mais compatibilidade com um ou outro. Hoje, gosto mais daqueles que permaneceram parecidos comigo, aqueles que mantiveram meu DNA.

V – Mulherão é uma das minhas crônicas preferidas. E as mulheres se identificam, assim como se identificam com a Mercedes, do Divã, e tantas outras personagens. Qual o recado que você deixa neste mês de março às nossas leitoras?

M – Gostaria que as mulheres continuassem buscando seus direitos sem ter um discurso tão inflamado contra os homens. É claro que o machismo está impregnado na nossa cultura, mas os homens não são todos agressivos, estupradores, inconvenientes – a grande maioria não é assim. O homem parece ter virado o inimigo número 1 da mulher. Lógico que as mulheres devem lutar por sua integridade, não permitindo que nada as ofenda ou diminua, mas é preciso ter cuidado com os exageros promovidos por uma catarse meio esquizofrênica: o mundo já está polarizado demais e não precisamos insuflar a guerra entre os sexos. Sou fã dos homens – e não menos independente por causa disso.



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