Os Anjos da Vida pedem ajuda


Matérias do autor


23 de agosto de 2017

Tempo de Leitura: 4 minutos

Os Anjos da Vida pedem ajuda


Com uma equipe voluntária, capacitada com cursos de socorristas conforme a portaria 2.048 do Ministério da Saúde, o Grupo de Socorristas Voluntários sofre com a falta de recursos para continuar salvando vidas

O plantão começa às 19h da sexta-feira. O grupo chega até a base improvisada em uma sala do antigo prédio do Departamento de Trânsito de Carazinho e permanece lá até às 7h da manhã de sábado, quando outro grupo assume o próximo plantão de 12 horas. O revezamento dos plantões acontece até domingo a noite, por volta das 22h, e essa rotina tem se repetido há quatro anos, desde a criação do Grupo de Socorristas Voluntários de Carazinho. Os 20 voluntários que hoje fazem parte do Grupo se revezam nos plantões e, sentados em cadeiras de plástico ou deitados em colchões, esperam que o telefone não toque – mas sabem que em algum momento um chamado virá.

No final de 2013, o idealizador do Grupo de Socorristas Voluntários Fábio Carpes trabalhava no pedágio de Carazinho e também no Samu, quando saiu o anúncio de que os pedágios iriam ser fechados. Quando a ação se concretizou, ele percebeu que a demanda de serviço do Samu começou a crescer – as ambulâncias que antes priorizavam o seu atendimento para a cidade tinham agora que atender também a rodovia. Logo, se na cidade alguém precisava de socorro tinha que esperar a ambulância retornar da BR para fazer todo o atendimento e a demora começava a aumentar. “Eu e mais cinco colegas que eram da área conversamos sobre o assunto e dei a ideia de começarmos a fazer um plantão voluntário, para apoiar a equipe do Samu, pelo menos no fim de semana, pois quando acontece um acidente na BR geralmente não é somente uma vítima envolvida, precisa de um recurso maior para fazer o atendimento”, conta Carpes. Os colegas aceitaram a ideia e eles conseguiram com um empresário da região uma ambulância emprestada, a de menor porte, que o grupo utiliza até hoje.

Os primeiros atendimentos começaram no início de 2014 e o auxílio dos socorristas voluntários começou a ser muito eficaz nos atendimentos. O grupo começou a ganhar força e mais agregados, pessoas da área que queriam ajudar, técnicos de enfermagem, bombeiros civis, técnicos em segurança do trabalho – todos movidos pela vontade de salvar vidas. No mês de abril do mesmo ano o Grupo foi registrado como uma Organização da Sociedade Civil com fim voluntário, para que eles pudessem receber recursos de órgãos públicos e empresas – o que não tem acontecido com frequência desde então.

No grupo todos são voluntários. Trabalham em seus empregos durante a semana e abrem mão de qualquer lazer para dedicar uma parte do seu fim de semana ao plantão – na chance de poderem salvar qualquer vida, por mais que hoje estejam com apenas uma ambulância em funcionamento e tenham que fazer uma vaquinha entre eles para colocar gasolina e comprar materiais básicos como luvas de procedimento.

A outra ambulância do grupo, maior e mais equipada para socorrer quem precise, está na oficina há alguns meses. Na volta de um atendimento o motor estourou e o valor das peças para fazer o conserto chega a R$12 mil – e o grupo não pode pagar. Se isso já não fosse um atrapalho grande o bastante, no mês de junho a ambulância que está em funcionamento foi assaltada. Levaram a bateria, os faroletes, a sirene, o rádio VHF com antena, a mochila de resgate com todos os equipamentos que eles utilizam, três lanternas de cabeça, dois rádios comunicadores portáteis, uma sacola com uma cadeira de rapel, capacete e 50 metros de corda. O vidro do carona também foi quebrado e a porta do motorista entortada. “O nosso trabalho é feito por amor mesmo. A gente vive tomando tapa na cara, estamos com a nossa ambulância quebrada, a outra foi arrombada e furtada… Nós já fizemos mais de 400 atendimentos na região e foram atendimentos bem complexos, já pegamos acidentes com crianças, com poli traumas, que envolveram óbitos, situações bem delicadas que no meu ponto de vista, como profissional da área, pela experiência que eu tenho, sempre foram a nível nota dez. Nunca foi deixado a desejar um atendimento do GSV. Por sermos voluntários sempre estamos nos qualificando treinando, justamente para isso, para dar um atendimento de excelência para a comunidade”, ressalta Carpes.

Ultimamente o grupo sobrevive de ações feitas para arrecadação de recursos. Uma promoção de galeto com massa aqui, outra promoção de festas ali. Eles não conseguiram se inscrever para receber as verbas destinadas pela Prefeitura Municipal no último edital – pois este pouco foi divulgado. A falta de apoio do poder público e todas as fatalidades que têm atingido o grupo nos últimos meses desanimam, mas eles seguem lutando, caindo e levantado, mais caindo do que levantando como diz o voluntário Anderson Padilha. “Esse é o maior motivo do nosso desânimo. Nós somos o único grupo de socorristas voluntários da região, o outro mais próximo fica em Porto Alegre. O nosso trabalho deveria ser muito valorizado, porque não é qualquer um que faz o que fazemos. Precisamos ter o psicológico forte, deixar os sentimentos de lado e ter muito profissionalismo na hora do atendimento”, destaca Anderson.

Outro socorrista do grupo, Eduardo Grespan, destaca que o trabalho é uma vocação “Trabalhar na área da saúde já é uma coisa complicada, como socorrista mais ainda e voluntário, então, nem se fala. Não tem como não expor a tua vida, por mais que você seja precavido, competente. Nós entramos em uma cena de acidente, onde é perigoso, nos envolvemos com pessoas estranhas, nos arriscamos até a nos envolver em outro acidente, pois muita gente na BR não respeita esse tempo de resgate quando acontece um acidente”, pontua. O voluntário conta que um colega de trabalho pediu a ele quanto ele receberia para trabalhar no GSV e, surpreso pela resposta de Eduardo de que não receberia nada e até pagaria para trabalhar, pois gastaria com deslocamento, alimentação, com o material que usaria, pediu a ele qual era a vantagem então de ser um socorrista voluntário. “Respondi que a única vantagem da vida não é trabalhar para fazer dinheiro… quem gosta disso vem pra cá e é gratificante. Não tem dinheiro que pague você poder ajudar o outro. A parte que você faz, fica”.

E não foram poucos os agradecimentos que eles receberam ao longo dos anos de trabalho. De pessoas que hoje mantém o movimento das pernas porque foram retiradas por eles de forma correta do veículo, que não tiveram graves sequelas de uma acidente pois foram atendidas rapidamente, que hoje vivem bem após um trauma pois tiveram um atendimento humano e prestado de forma voluntária e competente por pessoas que abrem mão do seu final se semana (e às vezes até largam tudo no meio da semana) para salvar vidas. “É indescritível a sensação de poder ajudar, é isso que nos motiva. Por mais que roubem a nossa ambulância, quebrem tudo, às vezes até ouvimos comentários infelizes… mas uma vida salva faz tudo valer a pena”, finaliza Carpes.

Quer ajudar o GSV?
Banco Itaú Ag. 9209
Conta C. 14802-3

Telefone de emergência (54) 9 9913-4599



Veja também