Quem é o homem contemporâneo?


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16 de julho de 2018

Tempo de Leitura: 4 minutos

Quem é o homem contemporâneo?


O mês de julho reserva o seu 15º dia para ser uma homenagem aos homens. E nós reservamos esse espaço para te convidar a pensar sobre quem é o homem dos dias de hoje

Nós estamos falando muito sobre as mulheres, é verdade. Mas isso vem acontecendo porque em toda a história da humanidade, chegamos ao século em que elas estão lutando para serem iguais, em direitos, aos homens. As mulheres de hoje vem de centenas de anos de submissão, dominação, omissão e outras palavras que diminuem a sua contribuição para a sociedade, mas hoje, elas estão finalmente se reinventando, mudando os seus comportamentos e atitudes para deixar as coisas mais igualitárias no nosso mundo. Porém, te convidamos para ler sobre os homens, certo?! E já vamos falar sobre eles. É que para falar sobre o homem contemporâneo, é preciso falar sobre a mulher contemporânea. Quando o comportamento e o papel delas na sociedade começou a mudar, por consequência, o papel deles também começou a ser transformado.  Segundo o professor de Filosofia da Universidade de Passo Fundo, Francisco Fianco, estamos vivendo processos culturais amplos que, de alguma forma, fazem com que todos os papéis e modelos tradicionais venham sendo questionados – e com o masculino não é diferente.

Segundo o professor, hoje em dia não existe mais um modelo pré-estabelecido do que é ser homem – e isso pode ser tão bom quanto ruim. “Por um lado é muito bom porque permite que as pessoas do sexo masculino se reinventem, se construam de uma forma mais ampla. Mas, por outro lado, é muito ruim porque continuamos recebendo mensagens que dizem que ser homem é tal coisa, ser homem é ser assim…”, destaca.

Francisco Fianco – Filósofo e Professor da UPF

Nesse processo de reformulação de construção social, o feminino tinha uma “meta” definida, pois a estruturação patriarcal sempre oprimiu as mulheres, elas tinham contra o que lutar. O masculino, por outro lado, não tem algo contra o que se revoltar. “O homem contemporâneo perdeu, por exemplo, a função de provedor de um lar. Ele não é mais o provedor, não é mais o dono da casa, então ele serve para que? Se pegarmos os estereótipos, hoje temos alicates que abrem qualquer pote de conserva, fornos que assam carne melhor que uma churrasqueira, carros que já estacionam sozinhos e a maioria dos chuveiros não tem mais resistência para trocar (risos). Então, se o masculino quiser ainda ser interessante e importante ele tem que mostrar outras coisas com as quais contribuir, porque só trocar lâmpada já não justificar mais uma existência”, brinca o professor.

Muitas características tidas como essências do masculino, hoje são encaradas como coisas negativas. A prerrogativa da violência, a competitividade insana e a imposição pela força das estruturas hierárquicas são características que milenarmente pertencem ao masculino, mas que hoje em dia não são mais aceitas. “Por isso, tenho a impressão de que o masculino na contemporaneidade passa por uma crise de identidade”, constata.

O fenômeno das barbearias, por exemplo, é um sintoma interessante desse processo, que demonstra que o masculino começa a se repensar. “Você só se repensa no momento em que a sua identidade está em cheque. Os homens que param para pensar sobre esse aspecto da masculinidade buscam símbolos e passam por essa construção da imagem pessoal, em que entram as barbearias”, destaca. Os homens buscam criar uma imagem que passe a sua mensagem, que mostre as outras pessoas que ele é homem, sem que isso o faça melhor do que as outras pessoas que compõem a sociedade.  Essa crise de identidade masculina vem acontecendo porque não existe mais o papel determinado do homem dentro da sociedade e daí vem a pergunta que questiona quem é esse homem. “Se o sujeito conseguir abrir mão desse status masculino, que é uma bobagem de nascença, ele consegue ter um alívio muito grande, pois também vivemos outro aspecto que é a pressão social para ser (a expressão é terrível!) um ‘homem de verdade’”. O professor explica que, com essa capacidade de dominação, determinada na cultura patriarcal, vem junto uma responsabilidade. O homem muitas vezes adoecia por se sentir o provedor, que não poderia demonstrar nenhuma fraqueza. “Se ele se entendesse como colaborador da casa, por exemplo, poderia dividir seus medos, angústias, seus projetos de vida, suas prioridades e isso é muito rico, porque desonera o peso de ser sempre o alfa, sempre o mais poderoso. Nesse processo de construção social de ser ‘machão’, a nossa cultura faz com que o sujeito perca o contato com aspectos e potencialidades da sua própria vida porque é proibido de gostar de coisas entendidas como femininas. Ele não pode gostar de cozinhar, a não ser que seja um churrasco; ele não pode gostar de arte; não pode gostar de estética e isso é terrível porque é uma amputação. Quantas pessoas não gostariam de ter contato com essas coisas, que são ditas como femininas, e se privam de ter esse contato especificamente por que podem ser mal vistos pelos outros?”, questiona Fianco.

Para as mulheres o mesmo acontecia, mas, a partir do momento em que o padrão de comportamento foi quebrado elas começaram a ter acesso a coisas ditas como masculinas e sem precisar de permissão para isso. Para o professor, os homens têm acompanhado as mudanças das mulheres e percebido a própria mudança do masculino. “É difícil falar de indivíduos porque nós precisaríamos de um estudo sistemático para isso, mas, se falarmos do masculino como um todo, do ponto de vista da cultura, as coisas estão mudando. A gente observa que alguns homens se preocupam com essas questões e tendem a se encontrar nesse processo de mudança, pois tem consciência dos mecanismos simbólicos de assimetria de gênero; tem outro grupo que nunca parou para pensar nisso, mas que reproduz comportamentos de forma não reflexiva. Esses homens tem esperança, só precisam ser educados e disponibilizados a possibilidade de reflexão sobre o assunto; tem aqueles que serão contra qualquer transformação e esses são os perigosos, porque essa frivolidade provoca o mecanismo regressivo. Essas são pessoas que realmente querem a todo custo manter aquela imagem ideal de masculino como dominador, provedor, imortal e etc. Vejo essas três posições como as principais e tenho a certeza de que quanto mais discutirmos o assunto, quanto mais questionarmos os modelos pré-estabelecidos, mais a tradição se esfarela”, conclui.



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