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Entrevista – Itamar Vieira Junior


Matérias do autor


31 de outubro de 2025

Tempo de Leitura: 7 minutos

Entrevista – Itamar Vieira Junior


Vencedor dos prêmios LeYa, Oceanos e Montluc, além de ter conquistado duas vezes o Prêmio Jabuti, Itamar Vieira Junior foi o primeiro brasileiro a chegar à final do International Booker Prize. O escritor, nascido em Salvador, na Bahia, em 1979, é doutor em estudos étnicos e africanos (UFBA) e autor da coletânea de contos Doramar ou a Odisseia, de Chupim, e dos romances Coração sem Medo, Salvar o fogo e Torto arado. Este último se tornou um dos maiores sucessos de crítica e de público da literatura brasileira nas últimas décadas. O livro foi traduzido para mais de trinta idiomas e inspirou adaptações para o teatro e um musical. Desde 2019, Itamar já vendeu, no Brasil, mais de um milhão de livros. O escritor estará em Passo Fundo na próxima segunda-feira, 3 de novembro, integrando a programação da Feira do Livro da cidade. O encontro acontece às 19h30, no Espaço Roseli Doleski Pretto. Em conversa com a Contato VIP, Itamar falou sobre suas obras e inspirações. 

Considerando sua trajetória na Geografia e nos Estudos Étnicos e Africanos, de que forma suas experiências profissionais contribuíram para moldar sua escrita?

É muito curioso, porque antes de publicar, eu fui trabalhar como geógrafo, tinha uma vida na universidade, achei que seria professor, e depois fui trabalhar no serviço público como analista agrário. Mas a literatura me acompanha há muito tempo, sempre fui leitor, sempre escrevi, só não sabia que isso poderia se realizar como uma profissão. Eu cursei Geografia na Universidade Federal da Bahia, fiz mestrado, fiz doutorado no campo da sociologia e estudos étnicos… Eu não consigo separar o Itamar geógrafo e servidor do Itamar escritor. Eu acho que tudo que nos interessa, tudo que atravessa nossa vida, de alguma maneira, impacta naquilo que imaginamos, pensamos, elaboramos, escrevemos. Tudo o que eu escrevo bebe muito nessas fontes da geografia, das Ciências Sociais, e acredito que ambas me deram uma visão mais abrangente do mundo, uma visão racional. Por mais que essa dimensão subjetiva da vida esteja muito presente, ela se completa com essa visão mais pragmática e eu acho que tudo que estudei, tudo aquilo que me interessa, termina por afluir para os meus escritos literários. Quem escreve é o ser humano e ele é feito de muitas influências.

 

Apesar de suas obras serem ficcionais, elas trazem temas muito reais e presentes ainda no nosso país como a luta pela terra, as desigualdades e violências, a busca por dignidade… Como você transita entre o real e o fictício nas suas histórias?  Eu acho que a literatura, sobretudo, revela o poder da imaginação, mas a imaginação é feita de fragmentos do que convencionamos chamar de realidade. Todo escritor precisa ser um bom observador, precisa ter a capacidade de evocar a memória, precisa também pôr em exercício esse atributo tão humano que é a imaginação. Então, observando o mundo à nossa volta é que as histórias nascem. Embora se trate de ficção, porque é uma elaboração literária estética da imaginação, ainda assim ela se alimenta do mundo vivo, mesmo quando escrevemos fantasias sobre outros assuntos que não sejam reais, ainda assim toda e qualquer literatura é feita de sentimentos e dos atributos humanos que nos atravessam desde sempre. Toda literatura é sobre amor, coragem, medo, é sobre a vida, a morte, isso não muda.

 

Seus livros trazem como narradores personagens vulneráveis, mulheres líderes de famílias… Como você define esse exercício de empatia que você faz como escritor, ao colocar-se nesses lugares para escrever?  Eu acho que a literatura é o que possibilita esse encontro. A literatura sempre me colocou em contato com muitas histórias e experiências. Toda a literatura se debruça sobre a experiência humana e, por mais distinta que ela seja, eu acho que ela é, em certa medida, universal. É a literatura que nos convida a abandonar o nosso mundo para experimentar a vida do outro. Aqui falo como autor, mas poderia ser como o leitor também. Quando você lê, faz esse exercício de sair de si para encontrar este outro que é o personagem. A leitura alarga a nossa compreensão de mundo, a gente não sai indiferente de uma história que lemos até o fim, porque a gente se coloca no lugar do outro. Como a literatura sempre me convidou a sair do meu lugar para encontrar as personagens, eu conservo isso como escritor. É claro que muito do que eu escrevo, eu não poderia escrever se não tivesse vivido, experimentado, conhecido essas experiências. Também não deixa de ser um exercício de sair desse lugar e enveredar pelo território de liberdade que é a literatura. 

 

Foto: Renato Parada

 

“Torto Arado” (2019) alcançou um público muito diverso, principalmente por ter sido lançado inicialmente em Portugal. Como você percebe esse alcance e a relação afetiva que se criou entre sua obra e o público?

É um caso a ser estudado (risos). Eu acho que é preciso entender o contexto que esse romance chega ao Brasil, talvez se chegasse em outro tempo a recepção tivesse sido diferente, mas esse livro nasce em uma época que pedia histórias como essa. Acredito que esse romance encontrou acolhida principalmente porque os leitores tinham sede dessa história e também porque essa é uma história brasileira. O Brasil é um país que se urbanizou tardiamente, é um país miscigenado, onde muitas famílias vão encontrar essas memórias de pais e avós que saíram do campo… Então evoca muitas memórias conhecidas, porque a gente compartilha a herança da colonização, da escravidão, isso nos atinge de uma maneira coletiva como sociedade e reconhecemos isso quando lemos.  Essas são as razões que talvez justifiquem o caminho do romance aqui no Brasil, mas lá fora, em que o livro já tem mais de 33 traduções, eu acho que os leitores se conectam com essa história pela experiência que ela transmite. Apesar de as personagens viverem no interior da Bahia e ainda serem vítimas de um trabalho que emula a escravidão, elas são personagens que amam, que sentem medo, que sentem coragem, que se revoltam, sentem raiva, ódio, e esses são sentimentos humanos. Então talvez seja por isso também que lá fora essa história tenha encontrado tantos leitores.

 

Com o livro “Coração sem medo” você encerra a chamada trilogia da terra que começou com ‘“Torto Arado” e seguiu com “Salvar o Fogo”. De que forma essas três obras estão conectadas? Além de personagens que transitam entre uma história e outra, embora elas funcionam como histórias independentes, tem uma questão central que norteia os três romances que é o direito à terra e ao território. É um direito não somente dos trabalhadores rurais como aparece na primeira história, mas um direito vital de todo e qualquer ser humano. Então essa talvez seja a questão que atravesse de uma maneira mais proeminente as três histórias. Nos dois primeiros volumes ainda são pessoas que têm uma ligação com a Terra. No primeiro, uma comunidade de trabalhadores que vive numa fazenda e as gerações que reivindicam o direito a esse território; o segundo é uma comunidade com herança indígena que está completamente desagregada, em que as pessoas estão em combate com elas mesmas; e no último volume temos uma mulher que empreende uma busca pelo seu filho desaparecido, e ela é oriunda desse êxodo rural, representando essa massa de pessoas que foram despejadas ao longo do tempo. Na história, ela vai descobrir que a cidade, a rua, a casa, o corpo de sua comunidade e de sua família, continua a ser alvo dessa violência contínua, a ter negada a sua experiência e a sua existência. Então acho que essa é a conexão entre as três histórias. Os leitores que já leram as duas primeiras e lerem a seguinte vão identificar esses marcadores, mas quem não leu também pode começar pela última, pois as histórias funcionam de uma maneira independente, mas ainda assim se comunicam. 

 

O sucesso das suas obras reacendeu o interesse pela literatura que fala do Brasil profundo, colocando em pauta temas que não tinham tanta visibilidade. De que forma você percebe a sua responsabilidade por esse lugar de representatividade? Eu tento fazer aquilo que talvez eu tenha alguma vocação que é escrever, escrever sobre os meus encontros, aquilo que me interessa, escrever sobre a nossa vida, nossa história, mas sempre com essa intenção de elaborar a literatura. Eu poderia fazer isso por ensaios, poderia utilizar uma outra expressão da escrita, mas me interessa a ficção, a literatura. Sempre me interessa falar sobre as pessoas, sobre os seres humanos, sempre me interessa revelar essa coisa tão imensa que guardamos em todos nós que é a vida. Para mim sempre vai ser um desafio capturar aquilo que nós temos de valioso, aquilo que nos faz humanos. Esse é o meu embate, é a minha luta, é aquilo que eu entendi ser uma vocação, um ofício, talvez por isso eu tente de alguma maneira capturar aquilo que me incomoda e me inquieta. Vivemos em um mundo de grandes distrações, de grande superficialidade, onde se espera respostas imediatas, onde somos bombardeados por uma profusão de notícias todos os dias… e eu acho que a literatura vai na contramão, porque para ler você precisa de tempo, para escrever você precisa de tempo e o tempo é necessário para que a gente possa pensar de uma maneira mais profunda aquilo que merece ser pensado. A literatura me ajuda também a refletir sobre a minha humanidade, sobre a humanidade das pessoas que estão à minha volta, sobre as questões que precisamos enfrentar neste tempo.

Foto: Renato Parada

 

Neste mês de novembro você estará em Passo Fundo para a nossa Feira do Livro, tendo também passagem por outras cidades. Como você percebe a importância de estar presente em eventos como estes, que promovem a leitura e a literatura? Eu descobri que nada se faz sozinho. Como escritor, sou um trabalhador como qualquer outro, é preciso sair de onde estou para encontrar os leitores, conversar sobre os livros, fazer os livros circularem. Eu levo com muita seriedade esses encontros, porque não existe literatura se a gente não pensar no leitor. É ele que lê, interpreta, difunde, então quando eu estou nesses eventos eu também estou fazendo a minha parte, falando de leitura, falando de livro, tentando incentivar aqueles que estão a minha volta a levar a sério, a ver onde a leitura pode nos levar, a pensar cultura e literatura como algo que faz parte de algo maior, que é a educação. Se queremos ter um país menos desigual, mais humano, um país, de fato, de leitores, precisamos incentivar a leitura. Para mim é sempre um prazer estar nesses eventos e eu gosto especialmente quando eu vou para cidades menores, lugares por onde eu não passei e onde eu descubro muitos leitores. São leitores que trazem sua experiência de vida, que em alguns pontos é bem diversa da minha, e acho que isso contribui imensamente para que eu conheça esse país, conheça inclusive o que eu escrevi. Então para mim vai ser um prazer estar em Passo Fundo, vai ser a minha primeira vez aí, estou com grandes expectativas! 

 



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