Lidando com sentimentos difíceis


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21 de setembro de 2020

Tempo de Leitura: 4 minutos

Lidando com sentimentos difíceis


Confira na integra a matéria publicada na edição de setembro da Revista Contato VIP Medicina e Saúde, preparada pela psicóloga Cibila Vieira.

Frente ao atual período conturbado, pontuado por incertezas e imprevisibilidades as emoções ficam a “flor da pele”, ou seja, as emoções superam a razão. Antes de falar mais sobre as emoções é importante lembrar sobre a analogia da máscara de oxigênio, quando viajamos de avião os comissários indicam “Em caso de despressurização as máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Caso esteja acompanhado de alguém que necessite de sua ajuda, coloque sua máscara primeiro para em seguida ajudá-lo.” Se colocarmos a máscara primeiro no filho (ou em qualquer outra pessoa), quando formos colocar em nós mesmos é provável que fiquemos sem ar, e bem…. talvez seja tarde, então fica a pergunta: Quem vai tomar conta da criança? Então o que pode ser feito? Aprender ensinar as pessoas de convívio a vivenciar as emoções de uma maneira funcional.

A aprendizagem por observação é uma das três formas de aprendizado. A criança pequena imita comportamentos adequados ou inadequados, sem pensar nas consequências do seu comportamento. Como os pais são uma forte referência para a criança, ela poderá entender que o comportamento dos seus pais sejam um referencial a ser seguido. Por isso é importante falar sobre o que esta sentindo no dia a dia e não esconder o que sente como se fosse algo vergonhoso ou feio. É importante os pais agirem de acordo com o que ensinam para os filhos. O exemplo fala mais alto que as próprias palavras. A partir do momento em que os pais se autoconhecem, podem estar mais atentos aos modelos que estão passando para os filhos.

Enfrentando Sentimentos Difíceis
Instrumento desenvolvido por Kingsley Mudd (http://contextualscience.org/)

Você frequentemente  se  encontra  lutando  contra  sentimentos  dolorosos  ou  difíceis?  Por exemplo:

  • Raiva ou frustração tão intensas que você sente que está prestes a explodir?
  • Tristeza que parece que irá lhe esmagar e puxar para o fundo do poço?
  • Ansiedade ou culpa que lhe impedem de se engajar em atividades que são importantes para você?

Você já tentou de todas as maneiras se livrar desses sentimentos desagradáveis, mas de alguma forma eles simplesmente continuam aparecendo?

Se você é um ser humano, então sua resposta a essas questões vai ser, muito provavelmente, sim. Goste ou não, sentimentos difíceis/dolorosos são uma experiência humana universal e a maioria de nós se encontra lutando contra ou tentando se livrar desses sentimentos com uma certa regularidade. Na cultura   ocidental, parece que somos frequentemente encorajados a encarar sentimentos dolorosos como uma   espécie de aberração – um inconveniente a ser evitado tanto quanto for possível, um sinal de que há algo errado conosco, uma doença que precisa ser curada, uma irritação a ser abafada por uma variedade infinita de distrações. Existe um pressuposto não-declarado de que felicidade significa sentir-se bem o tempo todo e, se não estamos nos sentindo bem, concluímos então somos defeituosos de alguma forma – talvez não estejamos tendo pensamentos positivos suficientes, ou não sejamos atraentes o suficiente, ou populares o suficiente, ou talvez apenas precisemos aderir ao modismo da hora ou adicionar mais alguns amigos em nossa conta do Facebook… e assim por diante.

Infelizmente, nossos esforços para evitar ou nos livrar de sentimentos desagradáveis tendem a ser um tiro pela culatra e, no fim das contas, geram mais sofrimento. Para dar um exemplo óbvio, um viciado irá usar drogas, álcool, jogos, pornografia, etc. para tentar se livrar dos sentimentos dolorosos – e isso funciona por um curto período, mas então ele acorda no dia seguinte e os sentimentos dolorosos estão de volta, geralmente piores do que no dia anterior, então ele consome um pouco mais de álcool/drogas/etc. e assim o ciclo da dependência continua em uma espiral descendente.

Um exemplo menos   óbvio   são   os    transtornos   de   ansiedade. Não   há nada fundamentalmente patológico em relação ao sentimento que chamamos de ansiedade – na verdade, ansiedade é uma resposta humana normal a qualquer situação em que nos encontramos “fora de nossa zona de conforto”, e potencialmente expostos a alguma forma de perigo. A ansiedade apenas se torna um transtorno quando decidimos que os sentimentos ansiosos, em si, são de algum modo errados, ruins ou perigosos, e começamos a usar diferentes tipos de estratégias (por exemplo: não sair de casa, lavar as mãos constantemente, usar álcool, nos distrairmos excessivamente) para evitar esses sentimentos. Então sempre que um sentimento de ansiedade aparece, ficamos ansiosos devido ao fato de estarmos nos sentindo ansiosos… percebe o ciclo vicioso?

Uma maneira mais produtiva de lidar com sentimentos difíceis é vê-los como “mensageiros” – como um sistema de alarme, primitivo e construído pela evolução, que nos alerta sobre o fato de que algo “não está certo” com o nosso mundo e que uma ação imediata talvez seja exigida para enfrentar a situação! As emoções também podem servir para nos lembrar do que realmente valorizamos em relação a uma situação em particular ou à vida em geral. A tabela a seguir ilustra brevemente esse conceito:

 

 

Emoção/Sentimento

 

Gatilho/Mensagem

 

Valor/Ação

 

Tristeza

 

Uma perda significativa

 

Cuidado/compaixão consigo mesmo e com outros; Necessidade de se ajustar e se adaptar à perda

 

Raiva

 

Dano ou injustiça

 

Proteger a si mesmo ou a entes queridos; Necessidade de lutar por seus direitos

 

Ansiedade/Medo

 

Perigo – real ou percebido

 

Se o perigo for real – defender-se ou fugir!

Se o perigo for percebido, parar por um momento para considerar respostas adequadas!

 

Culpa/Vergonha

 

Um erro ou mal foi cometido

 

Refletir sobre e aprender com o evento; Pedir desculpas?; Fazer melhor na próxima vez!

 

Nojo

 

Algo tóxico/contagioso

 

É necessário cuidado; garantir a segurança!

 

Contudo, nem sempre é fácil interpretar a mensagem e, algumas vezes, sentimentos dolorosos parecem vir do nada. Nesses casos, pode ser útil simplesmente ver os sentimentos como “eventos climáticos internos”; alguns dias são ensolarados e quentes; alguns dias são frios, úmidos  e  deprimentes  –  nós  não  tentamos  mudar  o  clima  (é  inútil!),  nós  simplesmente  o reconhecemos e ajustamos nosso comportamento conforme o necessário (por exemplo: pegamos um guarda-chuva ou passamos protetor solar), sabendo que inevitavelmente o evento climático irá passar, seguindo seu rumo natural.

Um pré-requisito básico para lidar efetivamente com sentimentos difíceis é cultivar a habilidade de se distanciar mentalmente do sentimento e simplesmente observá-lo, para que possamos interpretar a mensagem e tomar a atitude apropriada, ao invés de simplesmente se deixar  levar  por  uma  enxurrada  de   emoções  e  se  acabar  se  comportando  de  forma potencialmente destrutiva. Na psicologia moderna, essa habilidade de se distanciar e observar experiências  internas  é  conhecida  como  mindfulness  (atenção  plena).  Pesquisas  científicas recentes mostraram que praticar regularmente exercícios simples de mindfulness pode melhorar significativamente nossa habilidade de lidar efetivamente com sentimentos difíceis. Veja a seguir um   exercício  simples  de  mindfulness  chamado  “N.A.M.E.  it  to  Tame  it”  (Nomeie-o  para amansá-lo).

 

Cibila Vieira
Psicóloga e Neuropsicológica
CRP 07/14.885



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