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5 de junho de 2018

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Nossos Janeiros de Todo Ano


Os numina, de acordo com a religião da Roma antiga, eram entidades ou forças sobrenaturais que existiam em espaços naturais ou que estavam ligadas a momentos da vida ou a atividades humanas. Para os romanos, espaços como grutas, montes, bosques ou fontes eram possuidores de uma espécie de poder abstrato e sobrenatural.

Os numina romanos mais importantes eram os do lar e entre estes estava Janus, representado pela porta da casa, mas que tinha um caráter de importância bem mais simbólico: mudanças e transições.

Janus – que deu origem ao nome do mês de janeiro, que abre o novo ano – era representado por um rosto de duas faces, uma com as feições de um idoso e outra com as de um jovem. O rosto do idoso representava o passado e o do jovem, o futuro. Frequentemente invocado até mesmo antes de Júpiter nos rituais, Janus representava o avanço de um estado para outro, de uma visão para outra e de uma idade para outra, ou seja, o crescimento. Em outras palavras, Janus representava o avanço no tempo, porque podia olhar o passado com uma face e o futuro com a outra. Era, portanto, adorado e invocado em rituais de plantio e de colheita, de núpcias, de nascimentos e de mortes, assim como tudo o que representasse o começo ou o término de uma atividade ou período.

Neste mês de janeiro,como fazemos sempre, expressamos nossas resoluções e expectativas em relação ao ano que se inicia. Mas o quanto de tudo isso é realmente verdadeiro ou conseguimos manter? O quanto de tudo isso representa um avanço em nossas vidas?

Hoje em dia, os “deuses” que veneramos são outros, e os rituais do dia-a-dia foram esvaziados de seu conteúdo mais profundo e metafórico. O dinheiro, a imagem e o consumo desenfreado são os numina que governam nossas vidas e, nós, fanaticamente, feito um rebanho, lhes rendemos homenagens.

Ao contrário dos numina, que eram condutores e protetores, damos a  nossos deuses de brinquedo o controle de nossas vidas; colocamos todas as nossas expectativas de felicidade em suas mãos e esperamos que resolvam nossos problemas. Tornamo-nos incapazes de reconhecer nossos desejos mais profundos e nos alimentamos com tudo o que é externo. Preenchemos nosso quotidiano com performances muitas vezes caricatas do que significa ser humano.

Precisamos de Janus. Não de um Janus deus, pois as religiões há muito já não dão conta da humanidade, mas de um Janus representando um novo relacionamento com nós mesmos. Precisamos cruzar portais, iniciar e fechar ciclos. Precisamos entender que quem deve avançar no tempo somos nós e não o próprio tempo. Não podemos esperar que o mundo mude ao nosso redor se, internamente, nos agarramos ferrenhamente ao nosso velho eu, cheio de ideias pré-concebidas e sentimentos mal compreendidos.

Que neste ano que se inicia possamos reencontrar as portas que devemos cruzar e sermos nós, seres humanos melhores.

Que o desejo que nos governa, que é o desejo de ser amado, não nos impeça de crescer e amar quem precisa de nós.

Que tenhamos coragem de olhar para trás e ver o quanto ainda precisamos melhorar, não para ter mais dinheiro, sucessos superficiais e bens materiais, mas para ser mais gente. O que precisa ser melhor, sempre, somos nós, e não o ano. É essa a porta que precisamos encontrar e cruzar.

Salve, Janus!

 



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