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5 de junho de 2018

Tempo de Leitura: 2 minutos

Os Amores Completos


A simplicidade é coisa difícil, porque é complexa. Sim, ser simples não é tarefa fácil. Nos relacionamentos então, tentamos o mais complicado possível, acreditamos em mágica e temos expectativas absurdamente injustas em relação às outras pessoas. Cremos, como em um culto religioso, que o amor é uma tarefa de complementação e que há alguém no mundo que, como nossa mãe nos nossos primeiros tempos de vida, está lá para suprir nossas necessidades, carências e limitações.

Ainda bem que existem autores como Shel Silverstein que, em sua simplicidade poderosa, nos lembram que os melhores relacionamentos não são aqueles que nos completam, mas sim os que nos ajudam a crescer e a atingir a plenitude por conta própria.

Em A Parte que Falta encontra o Grande O, Silverstein, com seu traço e texto geniais, nos apresenta A Parte que Falta, um triângulo solitário que sonha em encontrar um círculo com uma parte faltando em que possa se encaixar e sair rolando pela vida. Algumas outras formas aparecem, mas nenhuma é a “certa”. E alguns círculos aparecem também, mas sem sucesso: uns tinham muitas partes faltando, outros tinham peças demais encaixadas, outros colocaram o triângulo em um pedestal alto demais e outros ainda, rolavam à sua volta sem nem notar sua presença – representações espirituosas do que se passa em romances e relacionamentos que não dão certo. Até que um círculo parece ser o ideal. A Parte que Falta cabia direitinho nele. Infelizmente, a Parte que Falta cresceu e deixou de caber no círculo, o que o incomodou profundamente e ele a deixou, exatamente como nos relacionamentos em que uma parte cresce e a outra fica estática e tudo vira decepção, até que acaba.

Um dia, um círculo diferente aparece: não há parte faltando. A Parte que Falta acredita ser esse seu verdadeiro companheiro, mas fica confusa por não ter onde se encaixar. Esse era O Grande O, o círculo que não tem partes faltando e ele diz à Parte que ela deveria rolar sozinha em vez de querer completar alguém. Por ser um triângulo, a Parte que Falta acha isso um absurdo, mas O Grande O lhe diz, ao deixá-la, que é possível seus cantos arredondarem-se se ela tentar. E lá está a Parte que Falta sozinha novamente. Só que desta vez com uma ideia de liberdade semeada em sua mente.

O começo foi um pouco difícil, mas com persistência a Parte que Falta foi se arredondando, até virar um círculo que podia rolar livremente. E nessas idas e vindas encontrou novamente O Grande O e puderam experimentar a maravilhosa sensação de rolarem juntos, lado a lado.

Nessa alegoria minimalista e muito profunda, Shel Silverstein toca no ponto principal do que vem a ser o amor verdadeiro: um sentimento de generosidade com nós mesmos e com os outros. Sem a expectativa de ser completado e de completar alguém, ficamos livres para crescer e dar oportunidade de os outros crescerem. O verdadeiro amor começa com o amor-próprio e expande-se ao amor pelo outro, não pelo que ele pode fazer por nós, mas pelos caminhos que podemos trilhar junto com ele. Ninguém deve ser parte de ninguém e, completos, devemos buscar alguém que queira, isso sim, rolar na mesma direção que nós.



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