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5 de junho de 2018

Tempo de Leitura: 2 minutos

Procura-me Dentro De Ti, Que Lá Estarei


 

Por que há tão poucas mães nos contos de fadas? Melhor ainda: por que há tão poucas mães vivas? As mães dos contos de fadas não estão presentes na maioria das vezes. Entretanto, tem-se a impressão de que são onipresentes: seja em um espírito que aparece do nada, em uma fada madrinha, em uma voz interna que impulsiona a heroína, em uma árvore que a alimenta e a abriga, ou até transmutada em um animal selvagem e sábio. A mãe paira sobre a história e define as ações principalmente por sua ausência. Se pensarmos que histórias antigas, ancestrais, como os contos de fadas, eram contadas quase que exclusivamente por mulheres, por que então elas omitiam a presença da mãe? Por que criar uma história em que a personagem que lhe representa é apenas um fantasma, ou uma lembrança?

Talvez porque, através das histórias, as mães estivessem preparando seus filhos – e principalmente suas filhas – para uma vida em que elas, mães, não estivessem mais ali. Há muito tempo, quando os contos de fadas nem eram chamados de fadas, mas só contos, as mulheres levavam uma vida de convivência com o perigo: a qualquer momento poderiam não estar mais lá. Ser uma mulher adulta significava, para a grande maioria, uma existência precária: exaustão, violência, estupro, abuso, doenças ou até morte no parto. A possibilidade de desaparecer cedo e deixar filhos pequenos era real e comum. Sendo assim, as mulheres tinham que criar narrativas que pudessem ser deixadas como pistas, indicações, um presente de amor, umas migalhas que indicassem o caminho de volta, uma árvore, uma estrela, uma fada boa – alguma coisa que, de alguma forma, ficasse no coração das crianças quando se vissem sozinhas no mundo. As histórias tem esse poder e as mulheres sembre souberam disso.

Mas e nos dias de hoje? Bem, a relevância dessas histórias ainda hoje nos dá um indicativo de que o lobo continua à solta. Por mais que existam Mulheres Maravilha, Frozen e Enrolados – e que ótimo que existem – dizendo para as meninas que elas são fortes e tem o poder de conduzir suas vidas para onde quiserem, há também a realidade das meninas sequestradas pelo Boko Haram na Nigéria, as noivas-criança, as prostitutas mirins, a violência de gênero no meio familiar, inclusive, da dita gente de bem.

O fato de criarmos personagens empoderadas nas histórias não significa, infelizmente, que a realidade mude instantaneamente. Além das personagens fortes, ainda precisamos das narrativas que mostrem às meninas que nem tudo são flores, mas que com as ferramentas certas podemos construir um caminho. Ainda precisamos das irmãs invejosas de Cinderella, mutilando os próprios pés para os mesmos caberem no sapatinho de cristal, e assim nos darmos conta das crueldades que praticamos com nós mesmas para atingirmos determinados padrões; precisamos de Barba Azul para nos mostrar os perigos de cair nas garras de um predador; de Chapeuzinho, que engana o lobo, para lembrarmos que por mais charmoso e legal que um lobo seja, ele pode não ser um lobo bom. Ser verdadeiramente bom é diferente de ser “legal”.

Mães, contem histórias para suas filhas e filhos. As suas histórias. As histórias que vocês receberam na infância. As histórias contadas com amor penetram em nossa pele e acham o caminho até o nosso coração, e ali elas moram até o fim das nossas vidas. É a força dessas histórias que vai ficar quando nos formos.

A maternidade é, ao fim e ao cabo, uma grande e complexa narrativa.

 



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