TRANSMISSÃO GERACIONAL: PERDAS E GANHOS


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11 de janeiro de 2016

Tempo de Leitura: 3 minutos

TRANSMISSÃO GERACIONAL: PERDAS E GANHOS


O presente artigo destaca a importância da transmissão geracional e de sua complexidade. Transmissão geracional segundo a influente psicanalista argentina Sílvia Gomel é um processo de transporte entre uma geração e outra, sustentado na hipótese da continuidade psíquica entre gerações. Essa transmissão não é passiva, pois jamais se recebe o mesmo que se transmite. Cada membro da família realizará sua própria elaboração do conteúdo transmitido, formando assim a sua subjetividade.

Afirma a autora: “ Esse trabalho de elaboração vai dar uma espécie de continuum com situações polares: de um lado uma geração que transforma de modo importante aquilo que recebe, apoderando-se do que foi herdado a partir de sua própria perspectiva e de seu contexto vivencial; de outro, aquelas gerações que quase acatam o que foi recebido, com um trabalho mínimo de transformação e um predomínio da compulsão para a repetição sobre a repetição em diferença. No trabalho clínico nos encontramos com diferentes modos de combinatória dentro da transmissão.”

Através da observação clínica, verifica-se que a potência para a transformação de aspectos prejudiciais da transmissão caracteriza pessoas mais “pra frente” enquanto aquelas que ficam demasiado presas ao modelo primordial familiar simplificadamente, tendem a repetir ciclos das doenças e perturbações afetivas, caracterizando-se mais pela negatividade.

A Psicanálise Vincular trata o indivíduo como um sujeito em trama e o considera a partir de uma rede na qual os sujeitos se atam, se vinculam. Visualiza o sujeito do inconsciente, o sujeito social, o sujeito do vínculo, o sujeito da linhagem, considerando várias dimensões do ser humano.

Neste sentido, a marca da cultura é concebida como determinante na subjetividade de um indivíduo que terá sempre uma exigência entre ser um em sua singularidade e ser um sujeito de conjunto. Como explana a autora o sujeito forma parte de um sistema genealógico (que provém da cultura como um todo) e que “é um jogo de referências, uma montagem, uma ficção instituidora que formula o sujeito de desejo sujeitado a uma linhagem, em sua posição de pai, filho, esposo.” Por essa razão, a noção de certo e errado em conjunto com os valores, dependem em grande parte da tradição e novidade culturais.

Evidentemente a família reflete exigências da cultura com a tarefa de transmiti-las e colocá-las em prática. A família também transmite o imaginário social com o corpo de ideologias, crenças, costumes, modelos estéticos. E pela família se dá também a transmissão psíquica, mais nebulosa e enigmática, ocorrendo a nível consciente e inconsciente. Esta última seria a tópica intersubjetiva e para exemplificar, se pode aludir os mecanismos de defesas frente ao que nos atinge, afetos e traços identificatórios entre duas ou mais psiques. Exatamente o que permitirá o indivíduo se tornar mais do que uma cópia dos seus antepassados e ao mesmo tempo, portador de uma bagagem adquirida dentro da cadeia transgeracional.

Esse legado psíquico pode ser bom e ruim. Ruim quando, por exemplo, conteúdos emocionais “enterrados” ficam fora da cadeia verbal, mas evidenciam-se em expressões não verbais (tremor na voz, nervosismo) ou no caso de alguns assuntos serem evitados, mas percebidos através de indícios de afetos como perturbação emocional. Nesta situação o infante capta algo sem compreender. Esse fenômeno se denomina “cripta” e sucede geralmente devido a um acontecimento traumático vivenciado pelas gerações anteriores (suicídio, homicídio, mortes, brigas, acidentes, doenças etc.) que não foram devidamente elaborados e superados, ocasionando nas gerações posteriores sintomas psicopatológicos na dinâmica familiar e frequentemente, adoecendo um ou mais membros.  A palavra cripta é utilizada pelo significado sugestivo que possui: galeria subeterrânea, catacumba, jazigo, sugerindo algo bem escondido e enterrado.

O tema é complexo sendo que o material não representado e simbolizado (“cripta”) constitui uma dimensão laboriosa para o especialista em Psicanálise Vincular, seja no atendimento individual, de casal, de família ou de grupo. O adoecimento que se arma desta maneira pode ser tratado através da elaboração e superação, impedindo a perpetuação das psicopatologias nas próximas gerações.

Para finalizar, vê-se o quanto o trabalho em saúde mental é vital e que as transformações de um legado psíquico transgeracional requerem disposição e esforço. O custo em realizar uma psicoterapia em termos de dispêndio de tempo e dinheiro pode ser muito menor comparado aos custos emocionais geradores de sobrecargas emocionais e prejuízos de ordem econômica, familiar, social. No mais a todos cabe à sublime tarefa de saber triar sabiamente, aprendendo a se desprender de algumas transmissões geracionais, manter outras e acrescentar novas modalidades circunscritas além do alcance familiar.



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