Entrevista: Bernadete Maria Dalmolin


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18 de julho de 2018

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Entrevista: Bernadete Maria Dalmolin


No dia 20 de julho, Bernadete Maria Dalmolin assume o cargo de Reitora da Universidade de Passo Fundo. Em 50 anos de Universidade, ela será a primeira mulher a ocupar o cargo de gestão – e essa conquista se deve a uma trajetória de muito estudo, trabalho e comprometimento. Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela UFPel, ela acumula um extenso currículo que entrelaça a área da saúde com a área da educação. É Mestre e Doutora em Saúde Pública (USP), possui MBA em Gestão do Ensino Superior, é Especialista em Saúde Mental e Administração Estratégica em Saúde. Professora na UPF desde 1992, foi Membro do Conselho Diretor da FUPF (2011-2012), Membro do Planejamento Estratégico Institucional UPF (2010-2012), Coordenadora do Fórum de Extensão das Instituições Comunitárias de Educação Superior Câmara Sul (2013-2016) e Coordenação Nacional (desde 2017) e até a data da posse, atua como Vice-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários. Nessa entrevista você vai conhecer a trajetória da nova Reitora da Universidade de Passo Fundo.

Você é natural de Caiçara e vem de uma família em que você é a irmã caçula de 11 irmãos. Como foi esse período de infância e escola na sua vida?
Eu venho de uma grande família, bastante simples e muito afetiva, que se dedicou a vida no campo, ao trabalho e a vida em comunidade. Eu tive uma infância muito tranquila. Como era a caçula, minha infância foi vivida intensamente junto aos meus pais e irmãos mais velhos. Eu era o “grude” que acompanhava todos e queria saber de tudo, brincava, ajudava, inventava. Antes mesmo do meu ingresso na escola, que no lugar onde eu morava só acontecia aos 7 anos, porque não havia pré-escola, eu desejava muito aprender a ler e escrever, então incomodava minha mãe e irmãos para me ensinarem. Tudo acontecia de uma forma muito artesanal, os recursos, tanto em casa, quanto na escola, eram muito precários, mas não tínhamos outra opção. A vida lá era assim. Da primeira a quarta série eu estudei em uma escola da localidade e, nos anos seguintes, fazíamos 12km entre ida e volta para estudar na cidade. Nós éramos os moradores mais distantes do local, então, no caminho íamos nos juntando a outras crianças e adolescentes, fazíamos uma turminha e íamos conversando. Na época não víamos tanta dificuldade porque era o que conhecíamos, aquilo era o natural. Chovia, fazia sol, no barro ou na poeira,  íamos rigorosamente à escola. Mesmo quando meus pais achavam que eu não devia ir porque eu estava doente ou porque as condições climáticas eram desfavoráveis, eu insistia e convencia a ir, mesmo que sozinha.  O ensino médio fiz na cidade vizinha, em Frederico Westphalen, pois ainda não havia na minha cidade.

E como aconteceu a sua escolha para estudar Enfermagem? No final do ensino médio fiz vestibular e atravessei o Estado. Sai do norte e fui para o sul, estudar na Federal de Pelotas.  Encarei o desafio de ir sozinha, o que foi muito bom para o meu crescimento pessoal, cultural e para a minha formação como um todo. Cursei enfermagem e obstetrícia e comecei a conhecer melhor a profissão, a área da saúde e o que eu gostava dentro desse universo.  A história de escolha da profissão tinha a ver com algum conhecimento da área em razão de familiares, tias de ambos os lados e uma irmã mais velha que também fez formação nessa área. Eu encontrei uma universidade que era muito intensa na área da saúde pública e na epidemiologia e fui me identificando cada vez mais, direcionando muito do meu estudo para esse campo.

Depois da sua formação na Universidade, você nunca parou de estudar. Por que você apostou nessa continuidade da sua formação? Acredito que somos seres em constante aperfeiçoamento, por isso trabalhei e fiz formação ao mesmo tempo ao longo desses 30 anos. Foram três especializações, uma residência multiprofissional e depois mestrado e doutorado.  Fui continuando essa caminhada, pois a realidade sempre me colocou diante de desafios e possibilidades de enfrentá-los. Tive muitas parcerias que me impulsionaram e me ajudaram a criar condições para isso, como meu marido, amigos e as próprias instituições por onde eu passei.

Como aconteceu a sua vinda para Passo Fundo e o seu relacionamento com a UPF? Conhecia a instituição por ser grande na região, mas o meu vínculo foi primeiro porque eu tinha o desejo de vir para cá por alguns laços familiares. Fui convidada, quando fazia residência, por uma professora da casa que precisava de alguém para ajudá-la. Ela me convidou para conhecer a Universidade e, se eu gostasse, dividir a disciplina com ela. Então, foi assim que comecei a vida acadêmica na UPF.  Eu tenho uma característica de implicação com os compromissos que assumo, o que me faz assumir muitas demandas e me entregar muito ao trabalho.

Então foi assim que você começou a trabalhar também junto à reitoria da Universidade? Eu vinha de uma caminhada de gestão na saúde. Durante esse percurso ajudei a organizar muitos serviços de saúde e pude acumular uma experiência importante de gestão. Obviamente, quando você trabalha em alguma frente acaba tendo oportunidade e reconhecimento, aí as pessoas te chamam para ajudá-las. Em meados de 2010 estávamos em um processo sucessório na UPF e os colegas me chamaram para participar da construção de um projeto para a Universidade. Acabei me envolvendo tanto que dois anos depois aceitei o desafio e assumi a Vice Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, cargo que ocupo até o momento.

E como o seu nome foi escolhido para concorrer a Reitoria da Universidade? Nada acontece de repente… Houve um movimento iniciado por dentro da própria gestão, pelos diretores de unidades, que desencadeou uma organização e a elaboração de um projeto para os próximos anos da Universidade, no qual eu fui incluída, junto com estudantes, professores e funcionários. Foi feito um processo muito bacana e participativo. Definiu-se nesse grupo um perfil de gestor e toda uma metodologia para indicação de professores que pudessem representar esse projeto. Pessoas que tivessem uma boa relação com a comunidade, bom relacionamento interno, capacidade de diálogo, experiência em gestão e que, obviamente, fossem compromissadas com a vida acadêmica e com a qualificação da atividade acadêmica.  Ocorreram muitas reuniões para que isso acontecesse e então chegamos a nominata vencedora, a nossa chapa, o Movimento Ação UPF. Felizmente, o coletivo entendeu que eu poderia agregar ao grupo, houve um encontro do perfil desejado para o momento com o meu perfil (risos).

Em 50 anos de Universidade, você foi a primeira mulher a ser eleita para o cargo de Reitora. O que isso significa para você? A questão de gênero também é importante. Eu tinha o entendimento de que se alguma mulher tinha condições de chegar à reitoria, nesse momento, esse nome era o meu. Eu sentia isso pelas múltiplas vozes que expressavam o desejo de que eu pudesse representá-las, não apenas por ser mulher, obviamente, mas por reunir outras condições e ser mulher. Vejo que nós precisamos continuar essa luta pela igualdade de gênero também nos espaços de gestão. Eu diria que o Brasil e o mundo ainda tem uma dívida social e subjetiva com as mulheres, então, poder representar o gênero feminino também pesou na minha decisão de aceitar esse desafio.  Fiquei muito feliz, em especial pelos feedbacks positivos e esperançosos que recebo todos os dias. Isso traz um efeito simbólico importante para a autoestima e o encorajamento de outras mulheres.

Quais são os primeiros desafios que te esperam na nova reitoria? São muitos! Primeiro temos que lidar com um contexto econômico, político e social bem conturbado, que também afeta a Universidade. Precisamos pensar alternativas de sustentabilidade, mas, ao mesmo tempo, temos os desafios de qualificar mais a área acadêmica em nível de graduação, de consolidar a pós-graduação e a extensão; de continuar essa aproximação com as comunidades para estreitar cada vez mais esse laço, fazendo com que o conhecimento aqui produzido responda melhor a todas as demandas da sociedade. Temos o desafio de qualificar as nossas relações internas e de trabalhar de forma mais integrada e colaborativa. Em síntese é o que defendemos na campanha, melhorar a qualidade acadêmica, financeira, as relações, a gestão compartilhada, a busca de novos recursos… Continuar fazendo com que essa universidade cresça e mantenha a sua importância vital para essa macro região norte do Estado.



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